manhã
...Joana enrosca-se na cama ,sob os cobertores
,enquanto a mãe grita na cozinha
- Joana ,levanta-te
está farta daquelas palavras .dos mesmos gritos
tenta não pensar em nada
mas as imagens voltam e revoltam ,como se ainda as
vivesse
-Joana ,vais perder o autocarro
sempre a mesma lenga-lenga
,pensa ,enquanto abre as janelas ,meio a dormir
o sol bate-lhe de chapa no rosto
mas as imagens voltam e revoltam ,como se ainda as
vivesse .não .não havia sol no dia em que conhecera o Manuel Maria
convidara-a para uma bica .primeiro ,olharam-se
estenderam a mão e os dedos iniciaram a dança .era
pesado o ar .os dedos continuaram o jogo .as mãos seguiram o ritual
depois levantaram-se e souberam .o beijo .sabia a
rio
o silêncio .o silêncio dos apaixonados .amou-o .era
tarde
tarde
Manuel Maria arranca .apetece-lhe conduzir
-não venha tarde para o jantar ,pedira-lhe a mãe
-hoje a Inês e o marido vêm jantar a nossa casa
que chatice .aturar os velhos .estava farto do beijo
,emproado ,com que tia o cumprimentava
e do ar
circunspecto do almirante .o marido .acelera
tenta não pensar em nada .levanta a capota do carro
mas as imagens voltam e revoltam ,como se ainda as
vivesse
-Manuel Maria ,não se esqueça .o pai gosta de jantar
às nove
sempre a mesma lenga-lenga
,pensa ,enquanto acelera .baixa a pála do automóvel
o sol bate-lhe de chapa no rosto
mas as imagens voltam e revoltam ,como se ainda as
vivesse
não .no dia em que beijara aTeresa não havia sol
passara semanas à espera ,sentado frente à Faculdade
.a Teresa saía e ria .ria alto .fingia não o conhecer .irritava-o aquele ar de
menina senhora do seu nariz .a Teresa ria .apanhava o autocarro e ria .ria e
provocava-o ,atirando-lhe um beijo pela janela
todos os dias o mesmo ritual
Manuel Maria não hesitou
à saída de Penal ,agarrou-a .Teresa não resistiu
nesse dia ,não apanhou o autocarro .não riu alto
.sorriu e retribuiu o beijo .quente
envolvente .entrou no carro .amou-o .era noite
noite
Teresa enrosca-se .o telemóvel continua ligado .em
cima do sofá .não ouve as palavras de Joana .esta ligara-lhe
-posso ir a tua casa? - chora - não aguento mais
.desculpa as horas ,mas ,palavra ,não aguento
-mas ,o que se passa .estás bem?
-não .estou péssima .lembras-te do Manuel Maria?
o silêncio .de novo o silêncio .o vazio
Manuel Maria acelera
tenta não pensar em nada
mas as imagens voltam e revoltam ,como se ainda as
vivesse
acelera a fundo
Joana ... Teresa ... a mãe ... os tios ... o jantar
esquecido
chega tarde a casa .não ouve as palavras da mãe
.está cansado .farto .não aguenta .rebenta
-Manuel Maria ,onde é que o menino esteve? sabe
,afinal o pai também não veio jantar .teve uma reunião .à última hora .no Banco
.a Matilde estava para vir com os pais .lembra-se dela? ,dos vossos Verões em
Moledo? ,os meninos não namor...
-que horror ,mãe .namoro?! isso era no seu tempo
atira-se para cima da cama .fecha os olhos
nas mãos ,o rio .na boca ,o beijo
um corpo .o pai...
...Matilde