desde sempre que o homem tem procurado entender o
mundo que o envolve e compreender-se a si mesmo ,através da inteligência
.o mundo ,porém ,não é ,apenas ,o que se vê e o que se
deseja
.é algo de muito profundo ,traduzido em actos e
factos, perecíveis no tempo e que, mais cedo ou mais tarde, nele se apagam e
reacendem
.é um processo também de memória ,quando o preço da
incompreensão se reveste numa agressiva ,se bem que controlada ,desilusão
.a angústia como dividendo da Utopia – escrevi ,há
algum tempo atrás
.regresso ao mesmo tema ,dada a sua oportunidade ,e
,sobretudo ,a minha estupefacção face ao jogo das máscaras que alguns
representam ( mais ou menos bem ,muito embora julguem o contrário ) no
tabuleiro da vida
.hoje ,em que o destino de cada um de nós se encontra
,cada vez mais ,comprometido pelas opções políticas ,o estar em sociedade só se
justifica através da adesão a essa mesma sociedade .mas ,se esta adesão não
tiver sido subordinada ,previamente ,a imperativos fundamentais que ,para cada um
,encerram uma série de interrogações ,quer no plano ético das representações
,quer no plano material das necessidades ,o estar em sociedade ,repito , não
tem qualquer sentido…
e quais são os factores que condicionam esses
imperativos? como os interpretam os homens? quais as suas mutações
históricas? - são ,apenas ,algumas das
questões que ,na contemporaneidade ,reflectem a noção de democracia ,o que não
acontecia outrora
.Rousseau ,por exemplo ,só conhecia a perfeita
democracia entre um povo de deuses
.há ,no entanto ,que renunciar a esta perfeição ideal
,já que ,na viva experiência hodierna , “ela perdeu a serenidade de traços com
que a enobreciam os filósofos do séc. XVIII, quando não era, senão, uma
belíssima estátua num templo deserto. Se, por vezes, a semelhança nos choca,
não é apenas a nós que nos devemos incriminar?”
democracia pressupõe liberdade e é ,antes de mais ,um
sistema que inclui a liberdade na conexão política .pressupõe ,ainda
,autoridade ,mas estruturada e fundamentada na adesão do social ,mantendo.se
compatível com a liberdade do mesmo
.a Declaração dos Direitos de 1789/91 dispõe que “os
homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos” ,o que demonstra a
transcendência da liberdade e a obrigação das instituições políticas a ela se
submeterem
.não basta ,porém ,associar o princípio democrático à
liberdade humana para tomar consciência do significado presente da democracia
.liberdade equivale a autonomia que se traduz na
ausência de coacção e no sentimento de independência ,física e intelectual
.nasce ,deste modo ,uma nova concepção de liberdade e
democracia a que poderemos chamar de participação ( liberdade
participativa/democracia participada ) e que consiste em associar o indivíduo
,como ser social ,ao exercício do poder ,defendendo-o das arbitrariedades e do
abuso e/ou prepotência desse mesmo poder
.mas ,liberdade e democracia pressupõem ,também ,e
,antes do mais ,responsabilidade
.todavia , “que importa que o homem seja livre de
pensar se a expressão da sua opinião o expõe ao ostracismo e à perseguição? Que
seja livre de discutir as condições do seu trabalho se a sua situação económica
o obriga a curvar-se à lei do empregador? Que seja aspirante ao desenvolvimento
da sua personalidade cultural se esta lhe falta como mínimo vital? – escreveu
Georges Bordeau
.hoje ,tudo se passa numa subordinação ,passiva e
irreflectida ,à vontade política que ,por seu lado ,se vê confrontada com um
processo irreversível de dupla “morte” – de perversão de memórias e de ideais
.destarte ,torna-se urgente recriar a sociedade livre
e democrática que alvitramos e defrontar o AMANHÃ ,sem medo ,demagogias e
falsas esperanças ,mas com a consciência de que é ,hoje ,no presente e em cada
momento da nossa vida ,que vale a pena fruir a herança cultural de que somos
herdeiros.
Gabriela Rocha Martins
,Outubro de 2016